Começamos o milênio muito bem. Criamos um novo tabu: a
correção. E da área pedagógica escolar, espalhou-se para a educação em geral. A
psicologia aprovou o tabu e a política também. Os psicólogos inventaram o
trauma pós-correção e os políticos criaram o Conselho Tutelar para apontar os
pais que ainda teimam em corrigir seus filhos. E os filhos viraram os delatores
assim como os alunos, apontando dedos aos mais sábios e aos mais velhos. Não, isto não é uma paráfrase do “Admirável
mundo novo” de Aldous Huxley, nem o trecho de alguma distopia. É a nossa
realidade do século XXI. E como não se pode mais corrigir, julgar, avaliar, as
crianças vão crescendo sem limites. E sem limites vão criando neuroses e
síndromes jamais vistas antes. Tem muito déficit de atenção que é falta de
curiosidade e de uma simples correção. Os médicos entram no rol dos
beneficiados e os laboratórios idem. Hoje temos bilhões envolvidos nessa trama
– é proibido proibir!
A desculpa para a aprovação automática e continuada varia
desde a área da estatística à área da psico-pedagogia. Os políticos aprovam os
números, pois com a aprovação automática não há mais evasão escolar (óbvio!).
Como se o único motivo para a evasão escolar fosse a reprovação. Se unirmos este fato ao da obrigatoriedade
escolar a partir dos 6 anos até os 17, criamos uma sociedade ideal!
Escolarizada e educada! Mas é isso que vemos na realidade? Acrescente-se a
isto, o sistema de cotas das faculdades e realmente alcançamos a glória! Mas
novamente a realidade nos mostra outros números, outra face!
Eu ainda era professora quando fui informada que não reprovaríamos mais. E o que
fazer com o aluno que passou direto pela disciplina sem alcançar os conteúdos
mínimos? Porque não há medidas concretas para sanar este fato – melhor, não há
porque não foi pensado nem previsto. Entretanto, no meu tempo de aluna,
tínhamos a recuperação, a prova final e a 2ª época. O aluno tinha muita chance
de se recuperar, pois o sistema previa aulas de recuperação – e olha que os
pais reclamavam dizendo: se não aprendeu em um ano, não é em duas semanas que
vai aprender. Porém nem todos estavam informados do processo – o professor
selecionava o essencial da disciplina e dava nestas duas semanas
intensivamente. Não tinha como não aprender.
Um aluno pode não
alcançar o saber, ou melhor, não construir o seu conhecimento por diversos
motivos. Eu considero a inteligência (pois todos temos uma gama de matizes disso que chamamos inteligência) um dos últimos na lista que pode se
estender desde problemas reais até escolha pessoal. Outra desculpa muito comum
dada pelos políticos que engendraram a aprovação automática é a de que não é
justo reprovar um aluno se ele ficou em apenas 01 matéria. Isso dificilmente
acontece. Os conselhos de classe são formados por professores – seres humanos –
e não robôs ou carrascos. Geralmente o aluno reprovado está mal em diversas
disciplinas.
Particularmente na minha área, não passar em
português/literatura afeta as demais áreas do conhecimento. Se um aluno não
consegue os conteúdos mínimos da linguagem e da leitura em sua própria língua
como aprová-lo e jogá-lo adiante? Sem uma boa leitura e interpretação os
conteúdos de história, filosofia, geografia e até mesmo matemática (ou física,
ou química) ficam prejudicados, pois dependem essencialmente desta capacidade. E
como aprender uma língua estrangeira se não sabe bem a própria? Ele será sempre
um aluno e profissional sofrível. Aí está a base do analfabetismo funcional que
falamos em crônica anterior.
Não digo que a ideia seja má nas primeiras séries do
fundamental. Entretanto, adotar a educação continuada sem reprovação em salas
de aula divididas por séries é um enorme contrassenso. O correto seria
estruturar o ensino fundamental de acordo com a teoria construtivista. Eu tive
experiência neste tipo de escola e o resultado é mais que satisfatório e
realmente funciona. O aluno constrói o seu conhecimento de acordo com a sua
maturidade e vontade. As salas de aula são por disciplina e não por série. Cada
aluno frequenta de acordo com a sua maior ou menos dificuldade. Creio que
poderia se estender até o ensino médio.
Não haveria custo por parte do governo nem das escolas no sentido
material, mas o custo seria dos professores que teriam que ser treinados nesta forma de ensinar.

Todo sistema de ensino é político, todo saber pertence à
classe dominante que rege ou que quer gerir as massas no futuro. A quem serve
esse sistema educacional, é o que devemos nos perguntar. Se nos debruçarmos um
pouquinho na janela da História, veremos que os sistemas totalitários –
religiosos ou não – sempre lançaram mão da educação. Este não seria diferente.
Basta ler os livros didáticos distribuídos pelo governo federal e as provas do ENEM
.
Se eu diplomo pessoas incapazes, eu fico com dois
problemas: 1. Eu tenho maus
profissionais, maus atendimentos, pontes mal construídas, doenças não curadas,
injustiças e etc. 2. Eu posso colocar um mapa do tesouro, um livro dos segredos
de como dominar o mundo na frente delas e elas não saberão o que fazer com
eles, não saberão lê-los, não saberão decifrá-los e o meu controle será bem mais
“barato”. Lembro-me quando um general da CIA, nos idos anos 80 comentou com um
repórter sobre isso. “No futuro, gastaremos menos armamentos para controlar as
massas. A guerra da informação está só começando e das mídias ela se espalhará
pelas escolas e toda a sociedade. Não gastaremos nem um só dólar em armas, pois
todos estarão dominados pela contrainformação e a não informação.”
Termino esta crônica que daria uma Tese de Doutorado com uma
pergunta: na área dos esportes, das artes e do ensino técnico a aprovação é
automática? Portanto, temos que nos perguntar a quem está interessando esta
prática, seja escolar ou de vida, e tomar as rédeas da educação para mudarmos
agora, pois este processo leva no mínimo 10 anos para começar a surtir efeito.