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sábado, 21 de maio de 2011

Noite no lago


A noite estendia seu manto negro sobre o lago
e tudo mais ficava tão escuro
soprava um vento quase místico
murmurante de música celestial
com um acariciar gélido envolvia nossos corpos
e a lua acalentava plácida nossas almas ardentes...

À noite, à beira do lago, minha alma enchia-se de temor súbito
ao olhar teus olhos úmidos de fogo
sentia estremecer a carne de desejo profundo
e desejei morrer para ficar assim
sempre penetrada do teu punhal de luz.

Teu abraço selou a marca deste desejo
que permaneceu pulsando nos teus olhos
e na tua boca de taça...

A noite enchia de perfumes diversos
descrevendo seus mistérios dormentes e ocultos
cada cheiro evocava uma lembrança
cada perfume marcava suave os instantes como vultos
eternas sombras ondulantes do universo

O mel da noite consumiu-se lentamente
e, agora, todas as flores cheiram a mesma esperança
até a sombra úmida, no surgir da aurora
tem um perfume de suave frescor
o sol nascente tem demasiado odor
refletido em gotas sobre as águas da noite...

Mas porque amanheceu,
sofro silenciosa com uma calma aparente
e nada mais anuncia este ardor de açoite
que iluminou minha noite
como a soberana lua

Então, a vida transcorrerá calma
fluindo como as águas dos rios
até que o sol canse de ser claro
e cubra tudo com o manto negro da noite
para que eu possa sonhar novamente
e eternizar esta terna noite de lua.

in: Da solidão e das Saudades de Cristina Danois

terça-feira, 3 de maio de 2011

MOZART HOJE



Ainda bem que quando Mozart nasceu, no século XVIII, não existiam psiquiatras de plantão, psicólogos infantis para dar palpites na educação de crianças superdotadas e especiais, neurologistas ou outros especialistas em cérebro, conselheiros tutelares da infância e da adolescência (aliás, este conceito é moderníssimo e que estrago tem feito em nossa juventude!). Não existiam os pedagogos que padronizavam e rotulavam os jovens, nivelando as inteligências e os talentos por baixo, isto é, imbecilizando, vulgarizando e banalizando todo saber, toda arte, toda criatividade possível que nasce cedo dentro dos seres humanos e que tal como uma árvore, precisa de cuidados especiais até que se solidifique, que se estruture a fim de dar frutos. E ainda bem que também não existiam, naquela época, os sexólogos, dando palpites e administrando a sexualidade de todo mundo. Estas especialidades e outras tantas ditas científicas - de uma ciência hoje que mais modela e controla do que pesquisa e descobre algo que valha a pena – tolhem os dons inatos dos seres, sejam eles artísticos ou não.
Hoje, a pretexto de estudarem os gênios que a Humanidade viu nascerem e se desenvolverem sozinhos, eles tentam investigar os cérebros destas pessoas como se elas fossem apenas máquinas bem equipadas de produção criativa e intensiva, como alguns robôs programados da atualidade, e que ainda assim, ficam aquém do verdadeiro gênio humano. E mesmo que programassem um robô para ser gênio, ele seria uma máquina medíocre, porque a genialidade e o talento não estão definitivamente no cérebro e sim nascem com o homem, no seu interior, uma moção, uma paixão e pertence à alma única dele.



E os inúmeros especialistas palpiteiros se juntam para falar dos defeitos e das doenças adquiridas por estes gênios, em particular de Mozart. Como se a Humanidade inteira medíocre fosse saudável física e mentalmente, sensata e muito equilibrada. Como se neste mundo a maioria de medíocres não ficassem doentes, não fossem neuróticos, agressivos, problemáticos e não beirassem às loucuras e os extremos. Afinal, por que tanto desenvolvimento tecnológico a serviço da saúde, por que tantas drogas psicóticas circulam no mercado? Seria tudo isto destinado aos gênios?
Se Mozart tivesse nascido neste século, em especial no Brasil, ele morreria. Não fisicamente, é claro, sua saúde estaria garantida pelo SUS ou pelos planos de saúde e pelos equipadíssimos hospitais e clínicas que possuímos, além de ter todas as drogas a sua disposição ( para comprar, é claro, caso precisasse). Mas Mozart morreria por dentro, sua alma, sua música, sua criação; morreria todo o seu talento. Mas ele seria feliz, garantem nossos psicólogos, pedagogos e conselheiros tutelares. Ele freqüentaria assiduamente a escola dirigida por diretores e pedagogos ineptos que ordenam que as crianças brinquem, copiem, vejam televisão, usem a internet como único meio de pesquisa, joguem no computador, divirtam-se e se relacionem, à vontade. A isto, eles chamam hoje de educação para o novo século, para a cidadania e a consciência planetária, sem esquecer a consciência ecológica. Como disse um governante bastante popular: não é preciso nem escola, nem livros; hoje nós temos a televisão e a Internet. Só mesmo um despreparado para pronunciar em cadeia nacional tamanha asneira! Mas deixemos os ilustres operários de lado e continuemos a falar de Mozart.



Dizem ainda que hoje ele seria mais saudável porque não teria contraído varíola nem tifo, muito menos gripe (?). Estaria apenas sujeito ao câncer, a AIDS, ao diabetes, à obesidade já que dormiria demais, comeria demais e faria sexo cedo demais e bastante a fim de provar sua hetero ou homosexualidade, aproveitando bem todas as experiências e prazeres da vida e, é claro, não teria tempo para estudar música, para compor, para tocar, causa possível do seu grande desajuste. E poderia pegar uma gripezinha: a suína, a chinesa, a do frango, a do boi, ou a do leite ou ainda mais leve, uma dengue hemorrágica, nada tão grave como as doenças no tempo dele.
O conselho tutelar garantiria a presença de Mozart dentro da escola dos medíocres para alívio e alegria dos antonios salieris da vida. Responderia a chamada quando fosse chamado e passaria o resto do tempo conversando, trocando figurinha, jogando bola, beijando as meninas no banheiro, fumando maconha, gritando com os professores reacionários que insistem em dar aulas tradicionais, navegando à vontade pela Internet, jogando os diversos games e aprenderia outras coisas, bem mais difíceis que exigem o desenvolvimento de um talento diferente, menos musical, tal como: como enganar o sistema, seja ele qual for, como roubar, como dar calote, como fazer gatos dos serviços essenciais e não pagar nada, como dar pequenos golpes nas pessoas ingênuas, como arranjar um emprego, não trabalhar e receber salários e benefícios, etc. Enfim, uma porção de coisas mais importantes hoje, que formam o conjunto dos cidadãos honestos das comunidades, sejam elas carentes ou não, nos morros, nos condomínios, nos prédios ou nos complexos, enfim a grande maioria dos centros urbanos atuais.
Mozart estaria bem, sem nenhuma responsabilidade de tocar aqui e ali o tempo todo, sem a preocupação de compor uma peça por semana ou para todos os eventos da cidade. Não seria escravo do sistema que lhe pagava para tocar e ser músico apenas. Ele seria livre para fazer o que quisesse, menos música, já que isso não dá futuro a ninguém e o sistema já providencia os talentos musicais, moldando-os, produzindo-os no computador e colhendo-os na grande massa que se pensa artista. Ele ouviria a música de massa e ficaria satisfeito, andando pelas ruas com seu ipod ou o seu cd player portátil, ou mesmo no seu celular, curtindo os diversos ritmos - do funk pesadão ao axé, passando pelo dance e outros tantos estilos musicais tão ricos e edificantes que são produzidos hoje em dia como bananas nos países tropicais. Mas não só isso, as eruditas contemporâneas também poderiam ser gravadas e ouvidas a qualquer hora sem necessitar de músicos ou salas de concerto, uma beleza para os ouvidos do nosso grande gênio, ouvindo as peças desconstrutivistas, programadas, feias ou conceituais, produzidas com ou sem o computador pelos novos gênios que não tocam nenhum instrumento, por isso produzem música pura, para além dos instrumentos antigos e arcaicos – um verdadeiro new age musical!
Mozart estaria bem hoje em dia, tranquilo e poderia ser homosexual, bisexual, transexual, qualquer coisa que lhe desse na cabeça, menos normal, já que este conceito está ultrapassado hoje em dia e ser simplesmente hetero não quer dizer nada. Na verdade quer dizer, segundo os entendidos da sexualidade hodierna, que é “um cara reprimido que se boicota e impede de experimentar novos prazeres”! (uau!)



Infelizmente, Mozart não conseguiria se livrar da chusma de políticos, governantes ou não, e banqueiros. Não conseguiria evitar a alta burguesia riquíssima e imbecil das grandes metrópoles de hoje, mais ricas que toda a corte de Versalhes, que todo império austro-húngaro, mais poderoso que o Czar ou Napoleão ou mesmo que a Rainha da Inglaterra, que hoje não passa de uma figura meramente representativa para ilustrar o desejo de nobreza de uma ilha já há muito ultrapassado com seus valores monárquicos arcaicos, entretanto não menos burra e sem cultura, a burguesia, não a Rainha. Não conseguiria evitar toda esta hipocrisia e mentira vigente em que mergulhou nossa sociedade cheia de meios de informação e tão desinformada, a beira da deformação mental. Se ele insistisse em compor, em ser músico, por um acaso dos acasos, numa estimativa de um para cem milhões (ou mais), ele estaria sujeito às críticas dos invejosos e ignorantes, tanto desta alta burguesia como da massa ignorante e rude, e, com certeza, continuaria a não agradar a ninguém, exceto algumas almas reacionárias e arcaicas, amantes da boa música. Mas como Mozart não iria compor e cedo-cedo abandonaria este mau hábito, tão obsessivo e deturpador da personalidade padrão, ou mesmo nem chegaria a desenvolver nenhum talento (isso não teria importância alguma), tornando-se um pacato cidadão comum, obediente que segue as regras e as normas, ainda que estas sejam as de se rebelar para uma economia higiênica do sistema. E o mundo continuaria rico, muito rico sem nenhuma destas grandes criações mozartianas, sem os seus concertos geniais, as suas sinfonias ou os seus quartetos (sem falar das óperas) e seguiria caminhando para o caos e a complexidade, bem como para a sua destruição, calmamente, ao som dos seus bips eletrônicos, dos seus celulares e do barulho intenso e ensurdecedor de todas as máquinas inventadas e criadas para trazer conforto e tranquilidade para os humanos. Afinal, quem precisa de Mozart, diria o presidente da maior corporation dos EUA, ou um grande negociador em Wall Street, em eco com todos os banqueiros e comerciantes do mundo em coro com todos os quase 6 bilhões de habitantes deste planeta obscuro, medíocre, infeliz e quente, muito quente mesmo e com a temperatura em franca elevação! Quem precisa de Arte, nós temos tecnologia, fast-food e sexo à vontade!