“O
ovo é a alma da galinha.”
Clarice
Lispector - Descoberta do mundo
Esta
é a versão popular da milenar pergunta feita pelos seres humanos em
busca da origem da vida – do mundo e de si mesmos. Filósofos e
cientistas disputam a primazia da resposta pelo menos a dois
milênios, cada qual puxando a solução para seu lado. Religiosos
também se incluem com afirmações de dogmas ou mitos que nada
esclarecem (quando não confundem mais), acenando a resposta com
metáforas, analogias e imagens, a maioria criadas em tempos de pouco
conhecimento e muito controle das almas humanas.
É
certo que não há diferença entre as mitologias, seja
hebraico-cristã, egípcia, nórdica ou outra – todas cumprem a
mesma função de objetivar numa narrativa, uma resposta que sane a
angústia de existir e a origem mesma da existência.1
Na
verdade, a mais antiga mitologia data de 20.000 a.C. escrita em
versos numa linguagem hermética e de difícil acesso pois o idioma
não existe mais – o pré-sânscrito ou védico e que foi resumido
nos Vedas mais modernos, mas que ainda são difíceis de ler e consta
de 200 livros, a princípio que foram resumidos em 20 volumes, ainda
difícil de entender.2
Mas
se trouxermos a pergunta com sinceridade para atualidade, teremos que
deixar de lado os discursos mitológicos e domáticos e sintetizar
saberes de mais de um campo do conhecimento – a Filosofia, a Física
Quântica, a Cosmologia, a Nova biologia entre outras. Todo discurso
científico ou filosófico que envolva questões relacionadas a
totalidades acaba por penetrar um terreno perigoso com risco de cair
no lugar-comum dos chavões populares. Dentro da Filosofia temos que
estar atentos à Metafísica e à Lógica de muitos autores que se
debruçaram sobre a questão ontológica.
“A
galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que
viesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o
ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a
galinha entender se ela é a contradição do ovo?
Clarice
Lispector – Descoberta do mundo
Desfazer
ou desconstruir mitos não é uma tarefa tão difícil, sendo fácil
até, pois a linguagem do mito é de cunho político-religioso que
não visa esclarecer, mas tem uma finalidade mais terapêutica,
catártica, acalmando, controlando e mantendo a sociedade através da
manutenção de uma psicologia infantil. Assim, a angústia da origem
não provoca a náusea da existência.
A
cosmogênese mais lida na atualidade é a da bíblia, livro cheio de
contradições. Ou seja, o próprio relato mitológico se contradiz,
ora afirmando uma coisa, ora afirmando outra. O livro do gênesis
parece escrito por dois narradores que não se conheceram, pois o que
um afirma o outro desdiz. E se compararmos com outros livros
subsequentes, a coisa fica pior. Na verdade, parece uma colcha de
retalhos, costurada por alguém que não se ateve no padrão dos
retalhos; um quebra cabeças muito grande com peças repetidas mas
que não se encaixem. Enfim, não se pode considerar como uma
resposta plausível nem definitiva.
Atualmente,
o que nos diz a Cosmologia – essa ciência nova, nascida na segunda
metade do século XX? Há pelo menos duas teses/hipóteses que se
contradizem mas que não foram nem aceitas nem refutadas de todo: a
primeira é a de que o universo teve um início – o Big Bang e que
lógico, terá um fim - o Big Crunch. Esta teoria se tornou mais
popular pelo fato de corroborar muitas mitologias e ser do tamanho do
cérebro humano – finita!
A
segunda hipótese ou tese é a de que o Universo é infinito e
eterno, sem começo nem fim corroborando a hipótese do incriado ou
do sempre manifesto. Provaram que este universo está em movimento e
também que pode se replicar em outros universos paralelos.
Entretanto, nem uma nem outra hipótese pode ser comprovada empírica
ou fenomenologicamente. Ao contrário, o processo científico de
comprovação das hipóteses da Física, por exemplo, é através da
matemática – uma disciplina abstrata criada pela mente humana e
que falha no momento de comprovar elementos além terra. Depois de
atribuir letras e valores a eventos ou premissas ou conceitos
hipotéticos, monta-se uma complicada equação e o restante, ou
seja, a solução, é uma consequência lógica inquestionável,
porém nem sempre verificável!
Mas
a questão proposta anteriormente diz respeito a ovos ou galinhas e
serres humanos. Neste campo saímos da Cosmogênese e entramos na
Antropogênese, também cheia de mitos e a Antropologia não é a
ciência que a segue, e sim a Bilogia, especialmente a nova Biologia
e outras congêneres.
Charles
Darwin, naturalista inglês do século XIX é o mais popular, entre
outros voltados para mesma questão, que propôs uma teoria
evolucionista para o surgimento do homem e este então viria do
macaco, mas o macaco... A partir da observação e constatação de
algumas pássaros e répteis num ambiente que ele considerou
primitivo – as ilhas Galápagos – ele deduziu a equação da
evolução combatendo o criacionismo de cunho religioso. No entanto,
a Origem das espécies de Darwin tem mais perguntas e dúvidas que
respostas. No livro a Descendência do homem e a Seleção natural,
ele faz afirmações insustentáveis e não menos desmistificadoras
entre os homens e os símios (gorilas, chimpanzés e outros macacos).
Darwin atribui esboços sutis de raciocínios e conceitos morais aos
animais para criar um elo com os humanos. Porém, o estudo da
evolução das espécies, embora precisando de uma boa crítica e
continuidade, ajudou a combater a ideia religiosa e pseudo-científica
da geração espontânea, sem causa substancial. Entretanto, a tese
do inglês precisa de uma boa revisão.
Logo,
caminhamos às cegas na solução da questão, mesmo com a Ciência.
Até porque, a teoria de Darwin e Lamarck pretendem explicar uma
evolução e nada falam com certeza sobre o surgimento da espécie
humana, tendo em vista que o tal elo perdido que nos ligaria aos
símios, continua perdido. Esta lacuna nos coloca no mesmo lugar, no
ponto de partida para entender a nossa singularidade. Como afinal
surgiu o Homem – a humanidade?
Falamos
aqui de explicação da criação e este termo tem que ser entendido
antes de voltarmos a nos debruçar sobre a questão. Criação pode
ter o significado de causa a partir do nada quando não se conhece ou
não se pode determinar o princípio que originou o efeito.3
Pode significar possibilidade ou eventualmente valor quando o efeito
é inferior ao motivo. Todos pensam que a Criação é uma noção
bíblica, religiosas, mas na realidade não se pode extrair dos
textos uma causa no primeiro sentido – de origem, visto que sempre
resta a indagação da origem da substância primordial.
Para
aceitarmos a ideia de Criação a partir do nada semelhante uma
aparição é preciso cessar a pergunta, pois como pode o Nada
existir, e sendo Nada – coisa nenhuma – como pode dar origem a
tudo? O conceito de deus é também bastante amplo e complexo que vai
de um ser/algo todo poderoso e onipresente a um ser determinado e
antropomorfizado, passando por um demiurgo que seria um ser
intermediário a serviço de um maior e mais potente, mas a quem
caberia o ônus da obra criadora. Também há a possibilidade de
diversos seres poderosos – deuses – que estariam envolvidos neste
processo, todavia tudo não passa de especulação mitológica de
diversos momentos históricos. No próprio livro do Gênesis, o mito
da criação do homem se expressa em dois momentos e de foma bastante
diferentes.
Assim
posto, dizer que “deus” é o criador ou que o Universo apareceu
do Nada “existente” se equivale em proposição, resposta e
dúvida. No caso de uma aparição ou de uma criação por um
demiurgo a coisa fica mais complicada, pois podemos derivar da terra,
de ossos ou mesmo da decisão inusitada de uma ameba mergulhada em
uma sopa orgânica.
Ameba,
barro ou macaco é fato que somos seres sexuados, logo a necessidade
de dois seres originários de polaridades ou gêneros diferentes. E,
considerando o segundo relato do gênesis, se Eva não tivesse comido
o tal fruto proibido seguindo os conselhos de uma serpente bípede ou
quadrúpede, nós não existiríamos. Afinal, a totalidade da criação
pertencia a 2 seres de início e nada mais. Ainda que muitos
cientistas não queiram desconsiderar a religião por diversos
motivos – medo, perseguição política, discriminação econômica
– o argumento mitológico não sustenta nem o início de uma
investigação séria.
Como
filósofa e poeta arrisco uma resposta especulativa para fomentar
mais a hipótese que respondê-la, ainda que possa de fato
argumentar: quem foi criado ou apareceu primeiro? A mulher, é claro!
Pois nela estão contidos os óvulos iniciais da espécie. Ou seja,
perguntar quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, incorre num erro
de proposição com o uso do verbo nascer. Nascer pressupõe, ser
gerado a partir de um elemento feminino. E a resposta mais óbvia a
nossa proposição inicial é que seja a galinha, posto que nela está
a promessa do ovo que dá seguimento à vida.
“
Os ovos cozinham na panela enquanto a galinha assa. No fundo,
galinha e ovos se aproveitam como alimento.'
Clarice
Lispector – Descoberta do Mundo
Bom,
mas e o galo? Este fica um pouco de fora da equação, pois não fez
parte da proposição inicial a ser examinada. Consideramos que a
introdução do macho galináceo limita-se a manter a espécie em
franca contradição ao patriarcado bíblico.
No
fundo não é importante responder a questão da espécie humana a
partir de um galináceo, símio ou de qualquer outra. Mesmo se
considerarmos a genética, a semelhança entre o homem, o primata e
um galináceo são bastante próximas. Sempre restará um elemento a
refutar, sempre haverá um elo perdido. E a pergunta que não fazem
é: se não houver nenhum elo porque não há cadeia que nos ligue
aos animais? E se houver mais de nós por este universo com outras
certezas que não temos como raça e vierem um dia nos contar? E se
houver mais de uma origem, uma para cada raça atual? E as outras
raças anteriores, tiveram a mesma origem?
O
importante é o questionar para manter a expansão da consciência e
do saber humanos. Responder não é importante, pois é como a vida,
importa a travessia. Assim: “viajar é preciso, onde não é
preciso”.
1
Conferir: Mircea Eliade em: Mito e realidade. SP, Perspectiva, 1987.
2
Conferir: Blavatsky, H. Doutrina Secreta – 7 vols. Pensamento, RJ,
1982.
3Conferir:
Aristóteles em Metafisica.