O analfabetismo ainda é uma preocupação no Brasil. Cerca de
quase 10% da população nacional é analfabeta. Mas, outro dado é ainda mais
preocupante no país. É o índice de analfabetos funcionais que chega ao
alarmante número de 54% segundo as últimas pesquisas do IBGE.
O analfabetismo funcional possui pelo menos 2 graus e não
inclui o escrever errado – seja quanto à ortografia ou à gramática. É
caracterizado por aquele que não consegue decodificar as palavras que lê. Lê,
mas o que lê não faz sentido. Não consegue ler um manual de instruções, seguir
ordens planejadas passo a passo e não consegue expressar-se por escrito de
nenhuma maneira. O segundo grau é a inadequação da leitura e da escrita,
caracterizando por uma infantilização – o indivíduo não consegue acompanhar os
textos que seriam próprios da sua idade (maturidade) bem como sua expressão é
bastante inadequada à idade.
Vamos a um exemplo: um aluno de 5º ano lê bem livros do 3º e
2º ano, mas não os apropriados à sua idade. O de 9º ano está lendo os livros
para 6º ano e assim por diante. Este é o
quadro nacional mais comum, salvo raríssimas exceções. Pensando(metaforicamente)
em Machado de Assis: os livros Iaiá
Garcia e a Mão e a Luva seriam
apropriados aos alunos de 5º ano, Helena e
Ressurreição aos alunos de 7º ano, a
famosa trilogia de Memórias Póstumas,
Quincas Borba e Dom Casmurro seriam facilmente compreendidos pelos alunos
de 9º ano junto com o conto o Alienista
e assim por diante.
Da mesma forma podemos relacionar os outros romances de literatura brasileira. A rigor, as obras românticas e do início do realismo são bem compreendidas pelos alunos do fundamental. As obras maduras e de vanguarda pelos alunos do ensino médio. As obras contemporâneas são apropriadas aos alunos de nível superior ou se preparando para isso. A contextualização é responsabilidade dos professores da áreas de linguagens.
Outro exemplo: a obra inglesa Harry Potter foi escrita para
crianças de 8 a10 anos, ou seja, alunos de 3º a 4º anos e o Mundo de Sofia do norueguês
Jostein Gaardner para alunos de 7º a 9º anos. Entretanto, no Brasil vemos que são
os alunos de 8º e 9º anos que curtem o menino bruxo e o romance filosófico
restringe-se ao curso superior, quando é lido. É comum alunos e professores dizerem que as
obras são difíceis, que tem vocabulário difícil entre outras desculpas
esquecendo o papel da escola. A escola não foi criada para manter o aluno no
seu nível de conhecimento. A escola acolhe o saber do aluno e o amplia,
diversifica, apresentando mais possibilidades. No tocante a língua materna,
quanto mais o aluno aprofunda e amplia seu vocabulário e forma de expressão,
mais ele fica apto a se expressar no mundo, seja particular ou social, em
língua falada ou escrita.
O fenômeno que vemos de empobrecimento da linguagem não é um
fenômeno causado pelas mídias e sim pela omissão escolar. A questão não está em
escrever abreviado porque isso, as taquígrafas do século XIX e XX faziam sem
perder a qualidade linguística. O problema é que o vocabulário passivo hoje em
dia da maioria dos jovens vem sendo reduzido drasticamente. Se considerarmos
que o vocabulário ativo de um falante é relativamente menor que o passivo, mas
que este permite a leitura e compreensão da maior parte das obras já escritas,
a redução deste causa o fenômeno que
vemos da rejeição à leitura “porque é difícil”, “porque não sei que palavras
são aquelas”, “ não entendo nada”, etc.
Há um grupo de professores e pedagogos que defendem essa
situação apelando para as tecnologias e modernidades. Comparam o vocabulário de
pessoas idosas com os jovens e apontam que eles conhecem palavras que são
desconhecidas dos mais velhos, que sabem mais coisas, que são mais atuantes geralmente no tocante à tecnologia. Mas isto é uma falácia, pois este vocabulário
é como um jargão específico que quando conhecido e entendido é logo absorvido e
que atuação há numa plataforma como o facebook?
O número de alfabetizados que lê razoavelmente, mas escreve
mal e errado gira em torno de 30% segundo as pesquisas que tem por base os
exames do Enem, vestibulares e outros concursos públicos. Ou seja, restam-nos
10% corretamente alfabetizados e com bom desempenho profissional e social.
Esses dados nos permite concluir, ainda que parcialmente,
que ter acesso à escola e à educação formal não garante uma boa alfabetização.
E, exatamente por isso, é mais difícil de ser erradicado, pois os responsáveis
se espalham entre alunos, professores, pedagogos, secretários e especialistas
em educação.
Os alunos são mantidos e aprovados mediante frequência e
comportamento e não em função do real aprendizado dentro desta educação
burocratizada que temos hoje no país, a serviço de uma ideologia específica que
luta contra uma “elite branca burguesa” e sua “meritocracia”. Isso além de
desmotivar o aluno, ensina que não é preciso esforço para se alcançar nada e
que querer ser melhor não é interessante nem louvável.
Entretanto, cabe
notar que a elaboração de um currículo de leitura e de ensino de língua nativa
é totalmente objetivo, não cabendo subjetividades e outras idiossincrasias.
Portanto, fácil de ser elaborado e seguido caso houvesse vontade política para
tal.
O sistema se enrola num novelo vicioso que começa nos
professores e seus salários irrisórios e termina nos ideólogos de plantão em
defesa de uma aprovação e aceitação automática de tudo em nome da chamada
“inclusão social”. A adoção e instalação de aparatos pedagógicos de tecnologia
avançada não garantem a erradicação do analfabetismo funcional, nem mesmo as
facilidades do ensino à distância. Ao contrário, endossam o quadro que se
encontra a educação brasileira, pois quem não lê livros também não lê em PC ou
Tablet ou outro leitor porque o vocabulário é o mesmo, independente do meio.
A facilitação na concessão de diplomas conclusivos em
qualquer instância, com redução de carga horária e de nível de cobrança dos
TCCs comprometem a inclusão no mercado de trabalho, seja nacional ou
internacional, além de restringir o desenvolvimento pessoal e profissional do
cidadão.
Vivemos um momento de apagão de talentos, de falta de
mão-de-obra especializada, mesmo em nível básico como o politécnico do ensino
médio. Há uma grande ineficiência de produção consequente do nivelamento por
baixo – um processo negativo da massificação. E o ônus disso cai sobre os
professores de língua portuguesa.
Os professores de língua portuguesa ficam com o maior peso desse ônus. Sem um
programa claro e objetivo de leitura, sem um trabalho efetivo dentro de sala de
aula com o texto, seja de que natureza for,
é impossível conseguir um avanço real do aluno. O comprometimento da
leitura em língua portuguesa afeta todas as outras disciplinas – desde a área
de humanas às ciências da natureza
ou matemáticas, pois tudo inclui a leitura e a interpretação bem como o
raciocínio lógico que só ocorre linguisticamente. Até mesmo o ensino de uma
língua estrangeira não avança pois sem o conhecimento da própria língua,
impossível crescer em outra língua.