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quarta-feira, 22 de abril de 2015

QUEM NASCEU PRIMEIRO: O OVO OU A GALINHA?



“O ovo é a alma da galinha.”
Clarice Lispector - Descoberta do mundo


Esta é a versão popular da milenar pergunta feita pelos seres humanos em busca da origem da vida – do mundo e de si mesmos. Filósofos e cientistas disputam a primazia da resposta pelo menos a dois milênios, cada qual puxando a solução para seu lado. Religiosos também se incluem com afirmações de dogmas ou mitos que nada esclarecem (quando não confundem mais), acenando a resposta com metáforas, analogias e imagens, a maioria criadas em tempos de pouco conhecimento e muito controle das almas humanas.
É certo que não há diferença entre as mitologias, seja hebraico-cristã, egípcia, nórdica ou outra – todas cumprem a mesma função de objetivar numa narrativa, uma resposta que sane a angústia de existir e a origem mesma da existência.1
Na verdade, a mais antiga mitologia data de 20.000 a.C. escrita em versos numa linguagem hermética e de difícil acesso pois o idioma não existe mais – o pré-sânscrito ou védico e que foi resumido nos Vedas mais modernos, mas que ainda são difíceis de ler e consta de 200 livros, a princípio que foram resumidos em 20 volumes, ainda difícil de entender.2
Mas se trouxermos a pergunta com sinceridade para atualidade, teremos que deixar de lado os discursos mitológicos e domáticos e sintetizar saberes de mais de um campo do conhecimento – a Filosofia, a Física Quântica, a Cosmologia, a Nova biologia entre outras. Todo discurso científico ou filosófico que envolva questões relacionadas a totalidades acaba por penetrar um terreno perigoso com risco de cair no lugar-comum dos chavões populares. Dentro da Filosofia temos que estar atentos à Metafísica e à Lógica de muitos autores que se debruçaram sobre a questão ontológica.

“A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha entender se ela é a contradição do ovo?
Clarice Lispector – Descoberta do mundo

Desfazer ou desconstruir mitos não é uma tarefa tão difícil, sendo fácil até, pois a linguagem do mito é de cunho político-religioso que não visa esclarecer, mas tem uma finalidade mais terapêutica, catártica, acalmando, controlando e mantendo a sociedade através da manutenção de uma psicologia infantil. Assim, a angústia da origem não provoca a náusea da existência.
A cosmogênese mais lida na atualidade é a da bíblia, livro cheio de contradições. Ou seja, o próprio relato mitológico se contradiz, ora afirmando uma coisa, ora afirmando outra. O livro do gênesis parece escrito por dois narradores que não se conheceram, pois o que um afirma o outro desdiz. E se compararmos com outros livros subsequentes, a coisa fica pior. Na verdade, parece uma colcha de retalhos, costurada por alguém que não se ateve no padrão dos retalhos; um quebra cabeças muito grande com peças repetidas mas que não se encaixem. Enfim, não se pode considerar como uma resposta plausível nem definitiva.
Atualmente, o que nos diz a Cosmologia – essa ciência nova, nascida na segunda metade do século XX? Há pelo menos duas teses/hipóteses que se contradizem mas que não foram nem aceitas nem refutadas de todo: a primeira é a de que o universo teve um início – o Big Bang e que lógico, terá um fim - o Big Crunch. Esta teoria se tornou mais popular pelo fato de corroborar muitas mitologias e ser do tamanho do cérebro humano – finita!
A segunda hipótese ou tese é a de que o Universo é infinito e eterno, sem começo nem fim corroborando a hipótese do incriado ou do sempre manifesto. Provaram que este universo está em movimento e também que pode se replicar em outros universos paralelos. Entretanto, nem uma nem outra hipótese pode ser comprovada empírica ou fenomenologicamente. Ao contrário, o processo científico de comprovação das hipóteses da Física, por exemplo, é através da matemática – uma disciplina abstrata criada pela mente humana e que falha no momento de comprovar elementos além terra. Depois de atribuir letras e valores a eventos ou premissas ou conceitos hipotéticos, monta-se uma complicada equação e o restante, ou seja, a solução, é uma consequência lógica inquestionável, porém nem sempre verificável!
Mas a questão proposta anteriormente diz respeito a ovos ou galinhas e serres humanos. Neste campo saímos da Cosmogênese e entramos na Antropogênese, também cheia de mitos e a Antropologia não é a ciência que a segue, e sim a Bilogia, especialmente a nova Biologia e outras congêneres.
Charles Darwin, naturalista inglês do século XIX é o mais popular, entre outros voltados para mesma questão, que propôs uma teoria evolucionista para o surgimento do homem e este então viria do macaco, mas o macaco... A partir da observação e constatação de algumas pássaros e répteis num ambiente que ele considerou primitivo – as ilhas Galápagos – ele deduziu a equação da evolução combatendo o criacionismo de cunho religioso. No entanto, a Origem das espécies de Darwin tem mais perguntas e dúvidas que respostas. No livro a Descendência do homem e a Seleção natural, ele faz afirmações insustentáveis e não menos desmistificadoras entre os homens e os símios (gorilas, chimpanzés e outros macacos). Darwin atribui esboços sutis de raciocínios e conceitos morais aos animais para criar um elo com os humanos. Porém, o estudo da evolução das espécies, embora precisando de uma boa crítica e continuidade, ajudou a combater a ideia religiosa e pseudo-científica da geração espontânea, sem causa substancial. Entretanto, a tese do inglês precisa de uma boa revisão.
Logo, caminhamos às cegas na solução da questão, mesmo com a Ciência. Até porque, a teoria de Darwin e Lamarck pretendem explicar uma evolução e nada falam com certeza sobre o surgimento da espécie humana, tendo em vista que o tal elo perdido que nos ligaria aos símios, continua perdido. Esta lacuna nos coloca no mesmo lugar, no ponto de partida para entender a nossa singularidade. Como afinal surgiu o Homem – a humanidade?
Falamos aqui de explicação da criação e este termo tem que ser entendido antes de voltarmos a nos debruçar sobre a questão. Criação pode ter o significado de causa a partir do nada quando não se conhece ou não se pode determinar o princípio que originou o efeito.3 Pode significar possibilidade ou eventualmente valor quando o efeito é inferior ao motivo. Todos pensam que a Criação é uma noção bíblica, religiosas, mas na realidade não se pode extrair dos textos uma causa no primeiro sentido – de origem, visto que sempre resta a indagação da origem da substância primordial.
Para aceitarmos a ideia de Criação a partir do nada semelhante uma aparição é preciso cessar a pergunta, pois como pode o Nada existir, e sendo Nada – coisa nenhuma – como pode dar origem a tudo? O conceito de deus é também bastante amplo e complexo que vai de um ser/algo todo poderoso e onipresente a um ser determinado e antropomorfizado, passando por um demiurgo que seria um ser intermediário a serviço de um maior e mais potente, mas a quem caberia o ônus da obra criadora. Também há a possibilidade de diversos seres poderosos – deuses – que estariam envolvidos neste processo, todavia tudo não passa de especulação mitológica de diversos momentos históricos. No próprio livro do Gênesis, o mito da criação do homem se expressa em dois momentos e de foma bastante diferentes.
Assim posto, dizer que “deus” é o criador ou que o Universo apareceu do Nada “existente” se equivale em proposição, resposta e dúvida. No caso de uma aparição ou de uma criação por um demiurgo a coisa fica mais complicada, pois podemos derivar da terra, de ossos ou mesmo da decisão inusitada de uma ameba mergulhada em uma sopa orgânica.
Ameba, barro ou macaco é fato que somos seres sexuados, logo a necessidade de dois seres originários de polaridades ou gêneros diferentes. E, considerando o segundo relato do gênesis, se Eva não tivesse comido o tal fruto proibido seguindo os conselhos de uma serpente bípede ou quadrúpede, nós não existiríamos. Afinal, a totalidade da criação pertencia a 2 seres de início e nada mais. Ainda que muitos cientistas não queiram desconsiderar a religião por diversos motivos – medo, perseguição política, discriminação econômica – o argumento mitológico não sustenta nem o início de uma investigação séria.
Como filósofa e poeta arrisco uma resposta especulativa para fomentar mais a hipótese que respondê-la, ainda que possa de fato argumentar: quem foi criado ou apareceu primeiro? A mulher, é claro! Pois nela estão contidos os óvulos iniciais da espécie. Ou seja, perguntar quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, incorre num erro de proposição com o uso do verbo nascer. Nascer pressupõe, ser gerado a partir de um elemento feminino. E a resposta mais óbvia a nossa proposição inicial é que seja a galinha, posto que nela está a promessa do ovo que dá seguimento à vida.

“ Os ovos cozinham na panela enquanto a galinha assa. No fundo, galinha e ovos se aproveitam como alimento.'
Clarice Lispector – Descoberta do Mundo

Bom, mas e o galo? Este fica um pouco de fora da equação, pois não fez parte da proposição inicial a ser examinada. Consideramos que a introdução do macho galináceo limita-se a manter a espécie em franca contradição ao patriarcado bíblico.
No fundo não é importante responder a questão da espécie humana a partir de um galináceo, símio ou de qualquer outra. Mesmo se considerarmos a genética, a semelhança entre o homem, o primata e um galináceo são bastante próximas. Sempre restará um elemento a refutar, sempre haverá um elo perdido. E a pergunta que não fazem é: se não houver nenhum elo porque não há cadeia que nos ligue aos animais? E se houver mais de nós por este universo com outras certezas que não temos como raça e vierem um dia nos contar? E se houver mais de uma origem, uma para cada raça atual? E as outras raças anteriores, tiveram a mesma origem?
O importante é o questionar para manter a expansão da consciência e do saber humanos. Responder não é importante, pois é como a vida, importa a travessia. Assim: “viajar é preciso, onde não é preciso”.
1 Conferir: Mircea Eliade em: Mito e realidade. SP, Perspectiva, 1987.
2 Conferir: Blavatsky, H. Doutrina Secreta – 7 vols. Pensamento, RJ, 1982.
3Conferir: Aristóteles em Metafisica.

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