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quarta-feira, 27 de abril de 2016

QUEM TEM MEDO DA CORREÇÃO?



Começamos o milênio muito bem. Criamos um novo tabu: a correção. E da área pedagógica escolar, espalhou-se para a educação em geral. A psicologia aprovou o tabu e a política também. Os psicólogos inventaram o trauma pós-correção e os políticos criaram o Conselho Tutelar para apontar os pais que ainda teimam em corrigir seus filhos. E os filhos viraram os delatores assim como os alunos, apontando dedos aos mais sábios e aos mais velhos.  Não, isto não é uma paráfrase do “Admirável mundo novo” de Aldous Huxley, nem o trecho de alguma distopia. É a nossa realidade do século XXI. E como não se pode mais corrigir, julgar, avaliar, as crianças vão crescendo sem limites. E sem limites vão criando neuroses e síndromes jamais vistas antes. Tem muito déficit de atenção que é falta de curiosidade e de uma simples correção. Os médicos entram no rol dos beneficiados e os laboratórios idem. Hoje temos bilhões envolvidos nessa trama – é proibido proibir!
A desculpa para a aprovação automática e continuada varia desde a área da estatística à área da psico-pedagogia. Os políticos aprovam os números, pois com a aprovação automática não há mais evasão escolar (óbvio!). Como se o único motivo para a evasão escolar fosse a reprovação.  Se unirmos este fato ao da obrigatoriedade escolar a partir dos 6 anos até os 17, criamos uma sociedade ideal! Escolarizada e educada! Mas é isso que vemos na realidade? Acrescente-se a isto, o sistema de cotas das faculdades e realmente alcançamos a glória! Mas novamente a realidade nos mostra outros números, outra face!
Eu ainda era professora quando fui  informada que não reprovaríamos mais. E o que fazer com o aluno que passou direto pela disciplina sem alcançar os conteúdos mínimos? Porque não há medidas concretas para sanar este fato – melhor, não há porque não foi pensado nem previsto. Entretanto, no meu tempo de aluna, tínhamos a recuperação, a prova final e a 2ª época. O aluno tinha muita chance de se recuperar, pois o sistema previa aulas de recuperação – e olha que os pais reclamavam dizendo: se não aprendeu em um ano, não é em duas semanas que vai aprender. Porém nem todos estavam informados do processo – o professor selecionava o essencial da disciplina e dava nestas duas semanas intensivamente. Não tinha como não aprender.
  Um aluno pode não alcançar o saber, ou melhor, não construir o seu conhecimento por diversos motivos. Eu considero a inteligência (pois todos temos uma gama de matizes disso que chamamos inteligência) um dos últimos na lista que pode se estender desde problemas reais até escolha pessoal. Outra desculpa muito comum dada pelos políticos que engendraram a aprovação automática é a de que não é justo reprovar um aluno se ele ficou em apenas 01 matéria. Isso dificilmente acontece. Os conselhos de classe são formados por professores – seres humanos – e não robôs ou carrascos. Geralmente o aluno reprovado está mal em diversas disciplinas.
Particularmente na minha área, não passar em português/literatura afeta as demais áreas do conhecimento. Se um aluno não consegue os conteúdos mínimos da linguagem e da leitura em sua própria língua como aprová-lo e jogá-lo adiante? Sem uma boa leitura e interpretação os conteúdos de história, filosofia, geografia e até mesmo matemática (ou física, ou química) ficam prejudicados, pois dependem essencialmente desta capacidade. E como aprender uma língua estrangeira se não sabe bem a própria? Ele será sempre um aluno e profissional sofrível. Aí está a base do analfabetismo funcional que falamos em crônica anterior.
Não digo que a ideia seja má nas primeiras séries do fundamental. Entretanto, adotar a educação continuada sem reprovação em salas de aula divididas por séries é um enorme contrassenso. O correto seria estruturar o ensino fundamental de acordo com a teoria construtivista. Eu tive experiência neste tipo de escola e o resultado é mais que satisfatório e realmente funciona. O aluno constrói o seu conhecimento de acordo com a sua maturidade e vontade. As salas de aula são por disciplina e não por série. Cada aluno frequenta de acordo com a sua maior ou menos dificuldade. Creio que poderia se estender até o ensino médio.  Não haveria custo por parte do governo nem das escolas no sentido material, mas o custo seria dos professores que teriam que ser  treinados nesta forma de ensinar.
Nosso sistema de ensino é calcado no século anterior. Salas por séries estanques e conteúdos programáticos – deem o nome que derem: curricular, transversal, politécnico, obliquo – obrigatórios montados em gabinetes por burocratas da educação, impostos de cima para baixo. E somente a avaliação é uma prática contemporânea e atualizada? Na verdade, o processo de avaliação passa a ser uma peça de teatro, uma pantomima, uma encenação de mau gosto dentro deste contexto. Os atores? Os professores.
Todo sistema de ensino é político, todo saber pertence à classe dominante que rege ou que quer gerir as massas no futuro. A quem serve esse sistema educacional, é o que devemos nos perguntar. Se nos debruçarmos um pouquinho na janela da História, veremos que os sistemas totalitários – religiosos ou não – sempre lançaram mão da educação. Este não seria diferente. Basta ler os livros didáticos distribuídos pelo governo federal e as provas do ENEM

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Se eu diplomo pessoas incapazes, eu fico com dois problemas:  1. Eu tenho maus profissionais, maus atendimentos, pontes mal construídas, doenças não curadas, injustiças e etc. 2. Eu posso colocar um mapa do tesouro, um livro dos segredos de como dominar o mundo na frente delas e elas não saberão o que fazer com eles, não saberão lê-los, não saberão decifrá-los e o meu controle será bem mais “barato”. Lembro-me quando um general da CIA, nos idos anos 80 comentou com um repórter sobre isso. “No futuro, gastaremos menos armamentos para controlar as massas. A guerra da informação está só começando e das mídias ela se espalhará pelas escolas e toda a sociedade. Não gastaremos nem um só dólar em armas, pois todos estarão dominados pela contrainformação e a não informação.”
Termino esta crônica que daria uma Tese de Doutorado com uma pergunta: na área dos esportes, das artes e do ensino técnico a aprovação é automática? Portanto, temos que nos perguntar a quem está interessando esta prática, seja escolar ou de vida, e tomar as rédeas da educação para mudarmos agora, pois este processo leva no mínimo 10 anos para começar a surtir efeito.

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