Bem, o que me impressionou neste documentário sobre Drumonnd foi a única leitura adequada da poesia de Drummond, feita, é claro, por uma poetiza, Adélia Prado. Quando ela leu a poesia que ela escolheu, o sentimento transbordou pelas palavras, atravessou o vídeo e me atingiu... simples assim! Belo assim! poetas sabem ler poetas, com sentimento, com a verdadeira matéria e sentimento de que é feita a poesia. Muitos tentam interpretá-la e poesia não foi feita pra ser interpretada, senão, seria dramaturgia, peça de teatro... Outros tentam contar uma história não só acerca da poesia, mas transformá-la num pequeno conto, encenando trechos poéticos... triste tentativa, fica péssimo. Poesia não é conto nem romance. Quando falam da vida do poeta, buscam significados, situações, circunstâncias excepcionais que justifiquem o fato do poeta ser assim, poeta, e nada encontram, apenas a mesma vida simplória e cotidiana como de toda a gente. Quem conheceu Clarice sabe, que era uma dona de casa, esposa e mãe, como tantas outras, preocupada com o marido, os filhos, comida, casa, roupas... mas o valor transcendental de Clarice não estava à mostra, não se encontrava à vista e sim no seu interior, fervilhava dentro do ser dela mesma, em tamanha ebulição que transbordava em suas poesias e narrativas, e, para quem a conhecia de perto, pelos olhos. mas todo este significado e potencial não está na vitrine fácil do shopping, tem que ser descoberto e leva tempo. Daí a dificuldade hoje de se descobrir a essência das poesias e dos poetas, precisa de tempo! Não pode ser absorvido em minutos ou algumas horas... são dias, anos... é preciso se debruçar e esperar até que o significado venha, mas vale o tempo de espera. depois de alcançado, ninguém lhe rouba o tesouro e você ficou mais!
Carlos Drumonnd de Andrade viveu um romance especial em toda a sua vida, durante 30 anos, viveu uma vida de amante com uma mulher (não a sua esposa) extraordinária que soube compreender e alimentar o seu ser poeta. Mas o documentário nem mencionou isso. Censuraram a vida do poeta depois de morto, que hipocrisia! Falaram, en passant, das poesias amorosas e eróticas dele, mas não falaram da musa inspiradora, e isso ficou pior.... pareceu uma fraqueza dele, do tipo, "vejam, ele também escreveu algumas pornografias que nós censuramos para que vocês não se decepcionem com o grande poeta puro Drumonnd!"
As tais declamações interpretadas das poesias dele ficaram horríveis, canhestras, medíocres... e não adianta vir com o argumento de que para o povo isso basta e está de bom tamanho, que já não dá mais! Com a desculpa de traduzir todo conteúdo para o povo, o que se tem é a massificação de tudo, a mediocrização de tudo que é nobre... e eu nunca me conformei com isso, pois sempre houve povo e sempre ele consumiu o que era produzido por grandes poetas e artistas da época. Afinal, quem essa gente pensa que frequentava o teatro grego, a elite? Enganados; o teatro de Ésquilo, Eurípedes, Sófocles, Aristófanes e outros era assistido, absorvido pelo povo em geral, aliás, não havia tantas classes e categorias econômicas como existem hoje!
Mas, o que mais importa é que a poesia seja lida, lida e absorvida por quem deseja algo mais, quem deseja significado na vida, quem deseja decifrar o mistério da vida, quem almeja abrir os horizontes e romper fronteiras... quanto mais se lê poesia, mas as fronteiras são eliminadas, todas as fronteiras, entre homens, entre sociedades, entre países... Ler poesia também responde a existência cotidiana, ajuda a pensar as circunstâncias, promove o bem estar ao encontrar soluções, respostas para questões nossas, de poetas? não, questões humanas! A leitura da poesia deveria ser ensinada nas escolas, em momentos de prazer, deveríamos resgatar os saraus, as leituras coletivas, os grupos de estudos... enfim, em comunidade tudo fica mais fácil e é só começar.
E se não entendemos os poetas que nos antecederam, como queremos entender os verdadeiros poetas de hoje? O homem não pode se dar ao luxo de decrescer, de decair, de regredir; tem que avançar e isso não significa avançar apenas tecnologicamente, mas mental e espiritualmente. Temos que ser capazes de ler nossos pais, avós e bisavós com a mesma facilidade que nos lemos hoje! Debrucemo-nos sobre as obras tão férteis de nossos poetas, dos poetas de todo o mundo, belezas e verdades incríveis nos esperam. Leiamos mais poesia, evitemos as autoajudas, as análises, os ansiolíticos, os antidepressivos e outros remédios congêneres. Vamos conviver poesia, formar grupos, convidar amigos... vamos resgatar esse hábito saudável e não deixar que pequenos documentários satisfaçam nossa curiosidade, pois na verdade não satisfazem. Fiquem com uma poesia minha, do livro Ecos Eternos...
Hoje estou vencida como
se soubesse a verdade
Hoje estou lúcida como
se fosse o meu último dia
E não tivesse mais
força ou vontade
Para lutar
Para dizer não
Para contrariar a rotina deste dia-a-dia!
Hoje estou como uma
despedida
Debruçada na sacada da
janela
Simplesmente assistindo
uma partida
A partida diária que
torna a vida dividida...
Hoje estou perplexa
como quem encontrou o que procurava
Mas que depois
esqueceu, de repente...
Hoje estou entre o que
é real por fora
E o que é real por
dentro
Hoje estou com a
sensação de que tudo é sonho
Tanto que mais parece
um pesadelo interminável
Porque não me deixa
viver a vida...
Hoje parece que um
martelo louco bate sem parar
Insistindo na mesma
pergunta:
Onde está a falha que
fará tudo ruir,
Como impedir o
terremoto,
Como segurar as águas,
Como apagar os
incêndios que virão?
Hoje estou impotente
como todos os poetas
Impotente como todos os
sábios...
Hoje não sou nada
Porque não serei nada
Não há o que ser
E não posso querer ser
nada
Enquanto durar essa
maçada de vida!
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