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sábado, 7 de novembro de 2015

Romeu e Julieta: amor ou poder?



É comum considerar essa tragédia de William Shakespeare como versando sobre o amor, o amor impossível ou outras qualificações acerca de amores não realizados. Mas se lermos com mais atenção, vamos perceber que não se trata de uma tragédia amorosa e sim de uma tragédia sobre poder, sobre a desobediência ao poder. O pretexto para se pensar essa questão é o frágil amor adolescente, mas a reflexão mais profunda e atenta é sobre o conflito entre o poder político  instituído (realeza) e o poder econômico.
O tema do amor é tratado de forma displicente, a princípio, pelo autor da tragédia. Romeu que é um Montecchio já aparece em cena apaixonado de outra jovem que não chegamos a conhecer a não ser pelas falas do rapaz amoroso. Mercúrio, parente do príncipe de Verona que governa a cidade – um principado – é a antítese de Romeu, opondo sempre o discurso apaixonado de Romeu ao seu, que em geral  banaliza as relações amorosas, as paixões desmedidas, os amores impossíveis.
Da mesma forma, Julieta Capuleto, família inimiga dos Montecchio, tem como antagonista sua ama, mulher prática, vivida que não crê em paixões de alma, em amores à primeira vista e sim nas realizações carnais que levam a uma satisfação imediata. A ajuda que ela dá à jovem é para a realização prática desse amor.  Uma visão de mundo bem comum que se opõe em contraponto à visão idealizada de menina inexperiente e ingênua que é Julieta, despreparada para a vida.
O quadro se põe da seguinte forma: Romeu está apaixonado de Rosalinda, parente dos Capuletos e Julieta está sendo prometida a Páris, parente do príncipe de Verona. Os Capuletos estão dando uma festa e os Montecchio, óbvio, não são convidados, mas Romeu e seu primo vão assim mesmo, como “penetras”. Quando os olhos de Romeu batem sobre a figura de Julieta, ele imediatamente se esquece de Rosalinda, que nem é notada por nós pois não há mais menção alguma dela na festa. De repente, Romeu cai de amor por esta nova adolescente - Julieta Capuleto.Logo, se a peça de Shakespeare fosse sobre amor, nós poderíamos concluir da efemeridade das paixões, da finitude dos jovens amores, da inconsequência das palavras exageradas em juras de amor, do absurdo dos amores platônicos e das promessas que não se cumprem. 
 Na realidade, a peça é tensa por outro motivo e o clímax da tragédia está relacionado a um destino que não se pode fugir como uma catarse. Pois o trágico está fundamentado exatamente neste ponto – há uma desmedida (a hybris) e ela provoca um desequilíbrio. Este pede uma ação para que o equilíbrio se restabeleça. O elemento que restabelece o equilíbrio é determinado pelo que os gregos chamaram de moyra, destino que não se pode mudar e que tem que ser cumprido para o bem de todos, pois dele depende o curso normal da vida. Está feita a catarse (termo médico e filosófico que significa libertação, expulsão ou purgação). A persona escolhida para esta função é em si trágica e de forma alguma pode modificar, alterar ou negar o destino. Ela está predeterminada pela força da vida. Neste caso, duas pessoas estão envolvidas porque a persona catártica é o amor entre eles.
Embora concentremos nossos olhos românticos sobre as declarações de amor entre Romeu e Julieta, em particular na cena do balcão e na noite do primeiro encontro de amor consumado, as aparições (3) do príncipe de Verona são muito mais importantes e significativas para o desenrolar da tragicidade exposta.  Seus discursos não são longos e em cada aparição, ele chama à razão os envolvidos para a responsabilidade social que as famílias ricas da cidade têm e a obrigação de obediência a despeito da posição social que ocupam.
No primeiro discurso ele alerta que já 3 vezes tem vindo interferir e que punirá as famílias responsáveis pela desordem. No segundo, quando acontece uma morte – não trágica – que intensifica o desequilíbrio social, ele é mais enfático e pune uma das famílias, sentenciando Romeu ao exílio. Este é o ato que desencadeia a solução trágica. A desobediência ao poder maior deve ser punida, a paixão desenfreada, seja ódio ou amor, também deve ser punida, pois dela deriva a demência, a imprudência, a desmedida que provoca a desordem social.
A última aparição do príncipe de Verona é já no restabelecimento do equilíbrio pela morte dos representantes da paixão desmedida desequilibrante – Romeu e Julieta - o que nos confirma a tese de que a peça versa sobre o poder e não sobre amor.  Ele apura os fatos e no final diz: “Esta manhã nos trouxe paz sombria: esconde o sol o seu rosto de pesar, serei clemente ou rijo a contragosto, e esta historia há de viver na memória de todos – a história de Romeu e Julieta.” Encerra a cena, o ato, a peça. Cumpriu-se o destino e a tragédia. Retorna o equilíbrio da vida, na paz conseguida por força do poder constituído.


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